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Políticas de nutrição infantil são insuficientes
Geral - 14/04/2016

Por Ethel Rudnitzki, da AUN/USP

Há no Brasil uma série de programas do governo para melhorar a alimentação infantil. Apesar disso, pesquisa divulgada no ano passado pelo Ministério da Saúde indicou que mais de 30% das crianças com menos de 2 anos consomem refrigerante e suco de caixinha, e mais de 60% comem biscoitos e outros doces industrializados. Para piorar, a prevalência de anemia nessa faixa etária chega a 67,6%. Dado essas estatísticas alarmantes, um grupo de pesquisa da Escola de Enfermagem da USP resolveu fazer uma intervenção com enfermeiros de UBS, mas acabou descobrindo que o problema era maior do que esperavam.

A proposta era capacitar profissionais da atenção básica e analisar os efeitos da intervenção tanto nos próprios enfermeiros quanto nos seus pacientes. Fizeram parte da pesquisa 53 funcionários de UBS e 358 pares de mãe e filho foram atendidos. Antes da capacitação, mais de 40% das crianças apresentavam anemia, quase 30% tinham risco ou já estavam com sobrepeso e o consumo de industrializados era generalizado entre elas. Os profissionais também apresentavam problemas, sendo que apenas 4% foram avaliados com conhecimento adequado. Após a intervenção, 70% dos funcionários apresentaram conhecimento satisfatório, mas a maioria não conseguia colocá-lo em prática. Isso ficou claro nos resultados finais com os pacientes: o consumo de doces e industrializados se manteve alto, e o risco de sobrepeso aumentou. As pesquisadoras atribuíram o resultado não muito favorável a diversos fatores. 

Despreparo profissional – Um dos grandes problemas enfrentados foi o despreparo por parte dos enfermeiros sobre a orientação ideal. A maioria deles, quando fazia recomendações alimentares aos pacientes, indicava medidas genéricas e não relativas a cada caso. Assim, raramente o aconselhamento dado era efetivo. De acordo com Cláudia Palombo, uma das pesquisadoras, “os profissionais têm visão autoritária do aconselhamento. Aconselhar não é dar conselho, é ouvir, perceber e apoiar a mãe e a criança em cada situação.”

Além disso, muitos dos profissionais não tinham conhecimento básico sobre a avaliação nutricional infantil, de forma que não poderiam dar a orientação correta para cada situação. As pesquisadoras relataram que alguns dos funcionários de UBS que fizeram parte da capacitação não preenchiam a caderneta de saúde da criança para poder comparar seu peso, sua altura e crescimento em gráficos. Eles também não tinham o hábito de fazer hemogramas (exame de sangue que indica anemia) de rotina nas crianças. Portanto, não sabiam se o paciente estava com sobrepeso ou baixo peso, se tinha ou não anemia e, por isso, aconselhavam de maneira genérica.

Verticalidade nos programas do governo - Outro problema, mas dessa vez com aparência de solução, são as políticas públicas de saúde. São diversas medidas que prometem melhorar os distúrbios nutricionais das crianças no Brasil, como a Política da Atenção Básica, a Política de Atenção Integral à Saúde da Criança, o Guia Alimentar e o Programa Nacional do Suplemento de Ferro. Na teoria, todos eles representam importantes combates dos problemas de nutrição no país, por incentivar e ensinar uma alimentação correta além de dar atenção especial aos pacientes. Porém, muitos deles são mal aplicados e mal difundidos e por isso não repercutem com resultados significativos.

Além de os profissionais não terem contato com os programas governamentais, eles são mal difundidos. No caso da profilaxia do ferro, que, segundo a proposta do Ministério da Saúde, deveria ser dado para todas as crianças de 6 meses a 2 anos, os funcionários pesquisados só davam em situações de anemia extrema. Outro exemplo da má divulgação das políticas públicas é o caso do guia alimentar, que perde sua função de orientar as famílias e profissionais sobre dietas mais saudáveis e os perigos dos produtos ultraprocessados, pois quase nunca chega às mãos dos pacientes e, como mostrou a experiência de pesquisa da EE-USP, acaba ficando guardado e sem uso. Para Cláudia, falta “uma vontade política para fazer com que esses programas funcionem, uma melhora na capacitação de profissionais e uma divulgação melhor”. 

Falta de incentivos maiores - Há, todavia, algumas medidas que são mais efetivas na mudança de alimentação. Contudo, para que isso aconteça, é preciso que os programas sejam mais incisivos. O estado nutricional das crianças envolve diversas variáveis além da própria orientação profissional, como hábito, cultura e condições socioeconômicas da população. Portanto, para reverter essas realidades é preciso que haja políticas de taxação fiscal e proibição de propagandas.

Existem exemplos no exterior de aplicação de medidas assim no combate à obesidade infantil e outros problemas nutricionais. Na Inglaterra, é proibido o uso de mascotes em publicidade de alimentos; no Chile, alimentos com alto teor de gordura, sódio, açúcares e calorias não podem ser comercializados ou ter seu consumo incentivado a menores de 14 anos; no Peru, as escolas e instituições educacionais devem realizar programas de orientação alimentar e monitorar o estado nutricional de seus alunos.

No Brasil, projetos de lei como esses já foram propostos e alguns estão em tramitação, mas a maioria é vetada. Porém, foi aprovada uma norma de 2006 que proíbe propaganda de leites artificiais, mamadeiras, chupetas e papinhas, além de exigir avisos sobre a importância da amamentação em produtos lácteos e relacionados. Essa medida, somada aos inúmeros incentivos ao aleitamento materno feitos pela estratégia Alimenta Amamenta Brasil, tem tido resultados importantes. Segundo o Ministério da Saúde, de 1996 a 2008, o aleitamento materno exclusivo de crianças com menos de 4 meses aumentou de 35% para 51%.

Dessa forma, para enfrentar todos os obstáculos que o incentivo a uma boa alimentação encontra no caminho, medidas mais rígidas como essas precisam ser implantadas. Leis que vão na contramão do consumo de produtos industrializados e gordurosos são aplicadas causam mais impacto do que incentivos à compra de comidas caras, mas saudáveis.

Os problemas de nutrição infantil continuam grandes. “O Brasil esta saindo do estado de desnutrição para o de sobrepeso. Era pra termos melhorado com as novas tecnologias e estudos só que estamos indo de um problema para outro”, lembra outra pesquisadora da EE-USP, Luciane Simões. “Diversas estratégias têm sido aplicadas para mudar essa realidade, mas o que se percebe é que não há avanços, talvez por problemas econômicos e sociais, talvez pela verticalidade dos programas e falta de conhecimento profissional.”

 

 

 

(Foto: reprodução)

 

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