Por Breno dos Santos França, da AUN/USP
As corporações do setor agroalimentar conquistaram consolidação e aprofundaram sua hegemonia com o advento do neoliberalismo. Essa foi a principal hipótese comprovada na tese de doutorado de Yamila Goldfarb, entitulada “Financeirização, poder corporativo e expansão da soja no estabelecimento do regime alimentar corporativo no Brasil e na Argentina: o caso da Cargill.” A pesquisadora se propôs a estudar também como as estratégias de territorialização da empresa com forte presença nos dois países influenciou no desenvolvimento geográfico desigual através do segmento de grãos e óleos.
A comparação do Brasil com a Argentina foi pensada para que se pudesse compreender a importância do agronegócio na estratégia de inserção econômica internacional em ambos os países, e a opção pela Cargil deve-se a centralidade da soja nesta estratégia. “Analisando dois países distintos, mas uma mesma empresa, podemos compreender como o processo de estabelecimento do regime alimentar corporativo assume formas diversas e desencadeia conflitos diversos de acordo com a formação social onde ocorre, suas diferenças regionais, etc.”, afirma Yamila.
A pesquisadora relata que um dos objetivos de sua tese era “compreender as transformações no campo a partir do momento em que as corporações ganham maior destaque nas configurações políticas e econômicas do setor.” Segunda ela, as engrenagens que dão sustentação a nossa sociedade não respeitam mais as fronteiras dos Estados-Nacionais.
Ao analisar as transformações ocorridas no campo brasileiro e argentino desde a década de 1970, pode-se constatar que a partir dos anos 2000 se sucedeu a expansão da soja como um importante determinante das configurações espaciais do campo e a finaceirização da agricultura capitalista. Essa financeirização, fase do capitalismo em que as transações e mercados financeiros ganham força no sistema econômico mundial e geram acumulação de riquezas por canais financeiros e não através das atividades diretamente produtivas, se expressa tanto na aquisição do mercado de commodities quanto nos mecanismos de financiamento de safras. “Analisar essas expressões e como cada uma se relaciona com o estabelecimento do regime alimentar corporativo pôde nos fornecer importantes contribuições para o desvendamento de como os conglomerados desenvolvem suas estratégias e quais as expressões geográficas disso” resumiu a pesquisadora
Consequências no campo e na cidade – A tese de doutorado também se encarregou de apontar que a “sojização” do campo brasileiro e argentino agravaram as condições de vida tanto nas áreas rurais como nos centros urbanos. “A concentração de estrutura fundiária, o maior êxodo rural, a precarização das relações de trabalho no campo, a queda na qualidade e variedade da alimentação das populações, o aumento dos preços nos alimentos e o aumento dos passivos ambientais gerados são alguns dos problemas ocasionados por isso”, afirma Yamila.
A concentração corporativa, a engenharia genética e os sistemas de propriedade intelectual também foram problematizados enquanto mecanismos que retroalimentam o avanço do regime alimentar corporativo financeirizado. Segundo a pesquisadora, eles aumentam a privatização dos recursos básicos como a terra, as sementes e o próprio conhecimento de manejo e produção. Yamila afirma que tanto Brasil quanto Argentina já foram considerados “celeiros do mundo”, no entanto, “em ambos os países o avanço das monoculturas causa impactos devastadores sobre comunidades inteiras, ameaça ecossistemas e está longe de garantir segurança alimentar ou energética para suas populações”, analisou.
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